segunda-feira, março 27, 2006

O sino.

O sal daquele lugar escuro penetrava-me as narinas.
A lua acabara de desvelar o seu manto.
Sentei-me. Fechei os olhos.
Escutei o grave retinir de um sino que também
acabara de acordar. Entoou um compassado mantra
invitatório e quedou-se à escuta, como eu.
A dança começara. Dispersa, retorcia-se agonizada na
sua própria claustrofobia: - "Urge celebrar!", bradou.
Permiti sem aquiescer. E eis que as ondas se ergueram
em ambos os lados, qual cortina ansiosa por revelar a
música que se prepara por detrás do cenário, e um delicado
eflúvio colorido jorrou por entre as minhas pálpebras,
perfumando o negrume monocórdico da minha pele.
Sorri. Reconheci com ternura esta imagem que repetidamente
deambulara pelos meus olhos desde o dia em que me fizeram
prisioneiro. Esperei.
O sino tocou outra vez. A dança cessou. Era a minha vez
de celebrar. Aquiesci.
Com certeza não iria falhar novamente.
Mas eis que o som estridente de um ferrolho enferrujado
dilacerou o silêncio que de repente se revelou húmido, e alguém entrou.
Era o sineiro, a avisar-me que
a minha hora tinha chegado.