O homem não é criador de nada. Sim, o homem não cria nada. Uma desculpa aos puristas, pois acabo de cair no vício linguístico do "se não cria «nada» é porque cria «alguma coisa»", mas creio ter-me feito entender.
A criação entendida aqui no sentido puro ex nihilo, a partir do nada, é algo que escapa do horizonte ontológico humano. Dizia uma frase do livro do post anterior que "essencialmente, e abstraindo das funções biológicas, o cérebro humano existe para analisar e gerar padrões". Apesar de mecanicista, e assim redutora, parece-me ser uma definição que desenha microscopicamente os laivos de criatividade de um poeta. Senão vejamos, a criação musical é uma combinação de sons (onde os próprios sons resultam da combinação/conjugação de materiais sonoros); a pintura resulta de uma combinação de cores (onde as próprias cores resultam de combinações/conjugações pigmentares materiais); a poesia, de uma combinação de palavras, e assim, de ideias. De acordo com esta imagem, a criação artística provirá da concretização de um determinado padrão presente na mente do criador. Parece fazer sentido.
Assim, parece que o génio artístico reside apenas na originalidade dos padrões analisados e gerados. Padrões nunca dantes considerados, e posteriormente concretizados. Apenas. Não deixa de ser um praticamente inesgotável "apenas", dado o praticamente infinito horizonte de possibilidades. A criação original artística será, portanto, nada mais que a concretização de um padrão que mais ninguém considerou. Esta é uma imagem positivista da criatividade humana, que provavelmente não repugnará os positivistas. Porque habitualmente se considera o horizonte criacional infinito é que parece confundir-se a ideia de "criação" em sentido estrito, puramente original, e "criação" em sentido lato, de originalidade indirecta.
Não nos iludamos, em qualquer dos sentidos. A persona é capaz de um horizonte de inesgotabilidade ontológica, no qual a priori participa duma dimensão espacio-temporal condicionante (ver Kant), dotada assim de um horizonte práxico específico. Não é mais nem menos que aquilo que é.
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O homem cria da mesma forma que o Ser supremo (Deus) ?
Só analogamente se pode comparar a criação humana à do Ser.
O homem cria sozinho?
A pessoa cria para. A alteridade é, ao mesmo tempo, destino e cúmplice da criação humana.
O homem criará de uma forma totalmente adequada, na qual encontra plena realização de si próprio?
Não creio. Só se realiza quem salta.
Em nome de que ilusão é que se continua a afirmar insistentemente o poder criador do eu?
O homem não é criador de nada.
Sim, não é criador, de nada.